O republicano Mitt Romney usou a palavra “paz” ou “pacífico” uma dezena de vezes no último debate da campanha presidencial, como se comungasse com os espíritos de John Lennon e de Gandhi. Mas o povo americano não se deixou enganar. Reelegendo o presidente Barack Obama, ele votou pela paz e contra uma terceira guerra numa nação muçulmana em pouco mais de dez anos.
Os americanos estão cansados das guerras de trilhões de dólares. Uma recente pesquisa do Chicago Council on Global Affairs mostrou que 67% dos americanos acreditam que a guerra do Iraque não valeu a pena e 69% acham que os EUA não estão mais seguros contra o terrorismo em consequência da guerra do Afeganistão.
Mais de 70% afirmam que a experiência iraquiana deveria fazer com que os EUA agissem de maneira mais cautelosa no uso da força daqui para frente.
Havia um risco efetivo de que Romney – cercado por falcões como o ex-embaixador americano na ONU John Bolton mostrando sua gratidão ao bilionário dono de cassinos Sheldon Adelson e instigado por seu amigo, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, levasse os EUA à guerra no Irã. Com certeza, toda possibilidade de uma solução diplomática da crise provocada pelo programa nuclear do Irã desapareceria no futuro previsível.
Um conflito armado com o Irã em 2013 ainda é possível. Indicações não faltam. No início do mês, o Irã disparou contra um drone americano. Israel está nervoso com o persistente progresso do programa de enriquecimento iraniano. Embora se oponha à guerra e continue resistindo às grosseiras pressões de Netanyahu, Obama disse que não permitirá que o Irã consiga construir uma arma nuclear. Não existe mais nenhum desafio estratégico imediato para o presidente reeleito.
Não é preciso de muita inteligência para saber se a busca da paz entre israelenses e palestinos ou do progresso das negociações com o Irã deve ser a prioridade máxima do segundo mandato de Obama. É o Irã, estúpido. (Na Síria, não há boas opções e – como é o caso da maioria dos problemas no Oriente Médio – a ausência de comunicação entre EUA e Irã sobre a questão só é prejudicial. O papel construtivo do Irã na Conferência de Bonn, em 2010, sobre o Afeganistão costuma ser esquecido.)
A guerra com o Irã seria devastadora para o Oriente Médio em transição, para os interesses americanos do Afeganistão ao Egito e para a economia global. O tempo disponível para evitar um conflito é limitado. Por outro lado, o confronto entre Israel e palestinos está perdendo pressão, mas hoje não apresenta o potencial de uma conflagração. Nem oferece novos elementos que o encorajem; tampouco é provável que Netanyahu, se for reeleito no ano que vem, pare de usar o Irã como recurso diversionista para não entrar num confronto grave com os palestinos, que estão divididos a tal ponto que eles mesmos e os EUA relutam em procurar uma solução.
Mas haverá novas possibilidades de lidar com o Irã? Haverá um espaço para a política? Durante o primeiro mandato de Obama, o machismo republicano predominou em várias frentes. A demonização do Irã foi uma fonte inesgotável de inspiração retórica. E os democratas não ficaram muito atrás.
É preciso urgentemente ressuscitar a diplomacia. Ela está se tornando uma arte perdida numa era de discursos enfáticos. Durante uma recente conversa, William Luers, um ex-embaixador americano na Venezuela e diretor do Iran Project, e Stephen Heintz, presidente do Rockefeller Brothers Fund, disseram-me que, no Capitólio, evita-se o termo “solução diplomática” quando o assunto Irã vem à tona. Diplomacia é um termo que soa particularmente fraco.
Como todos eles sabem muito bem, entretanto, é preciso diplomacia com o Irã. A diplomacia implica aceitar que, para conseguirmos o que pretendemos, teremos de ceder alguma coisa. A questão fundamental é: “O que eu quero do meu rival e o que preciso dar em troca para consegui-lo?” O uso exclusivo da pressão, na forma de sanções, não deterá o programa nuclear do Irã.
Em algum momento, como ocorreu com a corajosa guinada do presidente Richard Nixon com a China, empreendida apesar de furiosos protestos (tão veementes quanto seriam os do lobby pró-Israel em uma eventual negociação com o Irã), será preciso perguntar: “O que queremos, o que eles querem e o que ambos queremos?” É preciso criar áreas de superposição de interesses.
Isso exigirá uma coragem inusitada de Obama – e uma dose maior de bom senso da república islâmica, que sofre mais com suas dificuldades econômicas do que deixa transparecer. O presidente Obama agora parte para seu segundo mandato. Ele tem mais liberdade – e o discurso de machão em política externa está mais fraco. O presidente precisa estabelecer, por meio de um enviado especial, uma linha direta de comunicação com Teerã.
O trauma iraniano-americano, que agora tem décadas, é inseparável da crise nuclear. O que os EUA querem do Irã? Que ele abra todas suas instalações nucleares, destrua todo seu urânio enriquecido a 20%, pare com todas as ameaças contra Israel, pare com as crescentes violações dos direitos humanos, modifique sua política com o Hamas e o Hezbollah, e passe a ter um enfoque construtivo em relação à Síria. O que Washington pode oferecer? O levantamento de algumas sanções, o fim de uma série de ações secretas, nenhuma pretensão com a mudança de regime, o reconhecimento do direito ao enriquecimento limitado (até 5%) e cuidar da influência regional do Irã.
Um diplomata criativo poderia tratar habilmente dessas questões e trabalhar para aumentar a confiança mediante compromissos gradativos.
Mas, em primeiro lugar, Obama precisa ir além das convicções gerais a respeito do Irã, precisa pensar grande, agir corajosamente, ignorar os que nutrem um ódio visceral pelo Irã e deixar de acreditar na coerção como único recurso: essa é a resposta. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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