A Turquia precisa de mísseis Patriot para se defender de granadas vindas da Síria? Especialistas e críticos veem outros motivos por trás do pedido de ajuda à Otan, incluindo temores de um conflito entre Israel e o Irã.
A Otan deve atender em breve o pedido da Turquia para implementação de sistemas de mísseis do tipo Patriot ao longo da fronteira do país com a Síria. Com o provável envio dos armamentos dentro de algumas semanas, a Otan estará dando o passo mais ousado até agora em relação à crise da Síria e alçando o conflito, que já dura 20 meses, a um novo patamar.
Alguns políticos ocidentais consideram que a aliança está se deixando arrastar para o conflito. Já especialistas em segurança falam em intimidação e veem a medida como um meio de evitar que os combates atinjam o território turco.
"O pedido da Turquia por Patriots é uma tentativa de intimidação", afirma o acadêmico turco Mustafa Kibaroglu, especializado em segurança. "Afinal, será que Síria, Irã ou outro país ainda se atreveriam a lançar um ataque de mísseis contra a Turquia depois de ver que a Otan está claramente apoiando o país?", questiona, ressaltando que a implementação dos mísseis teria principalmente um significado político, mas também reforçaria a proteção da Turquia em caso de o conflito recrudescer ainda mais.
Medo de armas químicas
Na semana passada, o presidente turco, Abdullah Gül, disse temer que a Síria use armas químicas contra a Turquia e sugeriu que os mísseis da Otan podem deter a ameaça. Gül disse ao jornal Financial Times que a Síria tem armas químicas e antigos sistemas soviéticos para usá-las. "Tem que ser realizado um planejamento mínimo de emergência, e isso é o que a Otan está fazendo", frisou. O governo sírio anunciou em julho que só usaria armas químicas ou biológicas se o país for atacado por forças externas.
Especialistas em segurança turcos não creem num ataque militar da Síria à Turquia, já que isso significaria um ataque à Otan, embora existam preocupações de que, caso o regime perca o controle da situação, certos grupos possam explorar o vácuo de poder. Os mísseis Patriot seriam uma significativa melhora nas atuais condições de defesa aérea de Ancara. Entretanto, por serem especialmente concebidos para a defesa contra mísseis e aviões, não fornecem proteção contra as atuais ameaças enfrentadas pela Turquia.
O Exército sírio continua sua luta contra os insurgentes na área de fronteira, e projéteis ocasionalmente têm atingido o território turco. Um explosivo disparado na Síria atingiu uma cidade de fronteira turca no início de outubro, matando cinco civis. Desde então, o Exército turco tem respondido a disparos vindos do outro lado, provocando preocupações de que o conflito possa se espalhar.
Zona de exclusão aérea
Devido ao grande alcance dos Patriot, o pedido da Turquia à Otan tem sido interpretado por alguns observadores como a primeira etapa de um plano maior para impor uma zona de exclusão aérea sobre a Síria. A Turquia tem sido uma defensora da criação de uma zona de exclusão aérea que salvaguarde os refugiados e também forneça aos insurgentes um refúgio seguro contra ataques aéreos sírios. Mas Ancara não conseguiu convencer seus aliados até agora.
Diplomatas ocidentais ressaltam que tal zona teria que ser apoiada por uma força aérea forte e que a sua criação envolveria sérios riscos, já que o regime sírio tem recursos avançados de defesa aérea. Para convencer os aliados europeus da necessidade da instalação dos mísseis Patriot, a Turquia sublinhou, na sua carta de pedido à Otan, que eles terão função apenas defensiva.
"A implementação não apoiará, de maneira alguma, uma zona de exclusão aérea ou qualquer outra operação ofensiva", garantiu na quarta-feira o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen. "Ela iria contribuir para o arrefecimento da violência da crise ao longo da fronteira sudoeste da Otan. E seria uma demonstração concreta de solidariedade da aliança", sublinhou.
Fim do isolamento
Muitos observadores turcos veem a implementação como um alívio para o governo de Ancara, que estava ficando cada vez mais isolado devido a sua política agressiva em relação ao regime de Assad.
De acordo com Kibaroglu, os membros da Otan estão avaliando positivamente a implantação dos Patriot como um sinal de solidariedade e como uma medida para intimidar a Síria, mas também esperam que a implementação venha a promover uma cooperação mais estreita com a Turquia e dar à Otan uma maior influência sobre o governo Erdogan em relação à sua política para a Síria.
"Os Patriots podem evitar uma escalada da crise e podem dissuadir qualquer reação descontrolada da Síria em relação a uma medida mais dura tomada pela Turquia", avaliou Kibaroglu. "Mas parece haver também expectativas de que a Turquia atenda às expectativas da Otan com relação à política para a Síria."
Maiores preocupações na região
O pedido de Ancara à Otan tem sido criticado pela oposição turca, que acusa o governo Erdogan de grandes falhas na política externa, que teriam levado a um aumento das tensões na região.
"O governo está escondendo a realidade da população", acusa Faruk Logoglu, ex-embaixador da Turquia em Washington e deputado da principal força de oposição, o Partido Republicano do Povo. Na sua opinião, Erdogan decidiu solicitar os Patriots não devido à crise com a Síria e sim por causa de Israel. "Após a operação israelense em Gaza, aumentou a ameaça iraniana contra Israel. Os Patriots vão defender a nova estação de radar da Otan em Kurecik, que é essencial para a proteção do espaço aéreo de Israel", frisa. "Os Patriots vão servir à segurança de Israel."
Kibaroglu também afirma que preocupações regionais mais amplas desempenharam um papel na decisão da Turquia. "A instalação de mísseis Patriot pode ser vista como uma medida que não se limita a proteger a Turquia da Síria, mas também de uma possível ameaça futura do Irã", observa. "Após as operações de Israel contra Gaza, os próximos acontecimentos na região são imprevisíveis. Existe uma necessidade de se proteger o espaço aéreo da Turquia em caso de um possível confronto futuro entre Israel e o Irã."
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