Após o fracasso do cessar-fogo na Síria, as chances de um fim pacífico para o conflito no país ficam cada vez mais distantes. Especialistas recomendam ouvir sociedade civil enquanto ela ainda existe.
Mal foi anunciada e a trégua já fracassou. Por vários dias, o enviado especial das Nações Unidas (ONU) para a Síria, Lakhdar Brahimi, vinha mediando o diálogo entre governo e rebeldes, tentando reforçar a confiança mútua. Foi tudo em vão. O cessar-fogo, que ele anunciou na sexta-feira (26/10), durou apenas algumas horas, quebrado primeiro de forma isolada, depois, sistematicamente.
A retomada da violência não causou surpresa. O jornal árabe publicado em Londres Al Hayat já anunciava, antes do cessar-fogo, que o plano servia principalmente para ganhar tempo. De acordo com o colunista do jornal, tempo era necessário por uma série de motivos: para que passe a eleição presidencial nos Estados Unidos, para que se possa sondar outros cenários de uma solução política, para reforçar as operações militares da oposição e para criar zonas de segurança no norte e no sul da Síria, aumentando a pressão sobre o regime em Damasco.
Dinâmica incontrolável
A lista de problemas não resolvidos mostra que era improvável que a trégua fosse funcionar. Já se podia prever que ambos os lados fossem usar o cessar-fogo para organizar seu fornecimento de armas. Mas sobretudo estava claro que o cessar-fogo prejudicaria principalmente o regime, porque os combatentes da oposição no norte e no sul do país vêm ganhando terreno já há algum tempo e ampliando, além disso, suas rotas de abastecimento de armas.
Embora as tropas do governo sejam superiores às dos insurgentes em termos de equipamento, a diferença vem diminuindo. Por isso, o regime enfrenta uma pressão maior que a oposição. "O regime de Assad não tem muita escolha a não ser apostar na vitória militar", afirma o cientista político Werner Ruf. Por isso, ele acredita que o apoio logístico à oposição é uma tática duvidosa do Ocidente. "É uma violação grosseira do direito internacional e do princípio de não interferência. E o conflito ganha, com isso, uma dinâmica que o torna quase impossível de controlar."
Lógica do "tudo ou nada"
Não só o Ocidente está ativo na Síria. Os aliados de Assad − liderados por Rússia e Irã − também atuam de perto. Ambos os lados apoiam seus respectivos aliados, inclusive com armas, como sugerem relatos de combatentes de ambos os lados.
Para o jurista Naseef Naeem, da Universidade de Göttingen, é por isso que nenhum dos dois lados pode parar com a luta. "O problema é que ambas as partes não podem mais largar as armas, porque o lado que o fizer será morto pelo outro", frisa, acrescentando que ambos os lados têm, portanto, só uma escolha, que é "o tudo ou nada".
Dissolução do poder do Estado
Esta opção, no entanto, tem uma consequência fatal, pois as duas partes não lutam apenas entre si, elas indiretamente atacam o próprio Estado. Cada dia de guerra na Síria é mais um dia no processo de dissolução das instituições do país. Pode ser que o governo, que se apoderou da maior parte do Estado, seja o primeiro a se ressentir desse problema. Mas ele atinge também a sociedade, pois a infraestrutura é danificada, mais civis morrem, além de funcionários do Estado.
O cientista político Werner Ruf não acredita que o plano de uma vitória militar dê certo. "Em vez disso, a solução armada deixará mais um país em estado caótico, com uma guerra civil em andamento e sem nenhuma autoridade central, como nos casos do Iraque, do Afeganistão e da Líbia", prevê.
Naseef Naeem acredita que a desintegração do Estado, fenômeno que está se tornando comum no Oriente Médio, já está avançada na Síria. "Somos confrontados com forças assimétricas formadas localmente e religiosamente que, em suas respectivas regiões, têm tanto ou mais poder que o governo central."
"Esta circunstância deve ser levada em consideração pelos moderadores do conflito", alerta Naeem. Embora acredite que um fim rápido da violência seja improvável, para ele a chave para acabar com o conflito é o diálogo com novos atores. Ele também considera essencial que as próximas negociações de mediação sejam realizadas por um sírio. "De preferência, uma personalidade síria respeitada, que entenda a linguagem do povo. Ela deve ser capaz de falar com as pessoas locais, não só com representantes do governo e da oposição, mas também com os cidadãos", sugere.
Tais discussões precisam ser realizadas o mais rápido possível, pois não só o Estado é danificado a cada dia de guerra. A sociedade civil também continua a ser prejudicada − estrutural, cultural e psicologicamente. Talvez o principal incentivo para o fim da violência venha da sociedade civil síria. Mas alguém tem que falar com ela, enquanto ela ainda existe.
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