terça-feira, 27 de novembro de 2012

ESTRATÉGIA - Quando um Oceano inteiro é pequeno demais.


Os movimentos de duas Potências Mundiais em um cenário de turbulências econômicas, como isso modela o futuro de suas Forças e que lições o Brasil pode tirar dos recentes episódios



Quando um Oceano inteiro é pequeno demais

O que mais me fascina na seara das relações internacionais, e em particular no que concerne aos assuntos de estratégia e defesa, é a dinâmica do balanço das forças. A instabilidade financeira mundial tem ditado novas normas, o que torna ainda mais complexas as ações de garantia do equilíbrio entre diferentes interesses. A ordem-do-dia global é validada até mesmo pelas nações mais ricas: “Fazer cada vez mais, com cada vez menos!”. Um claro reflexo é a mudança de táticas e adoção de novas estratégias de emprego para que façam face à mutabilidade das ameaças e ao mesmo tempo adequem-se à realidade dos redimensionamentos orçamentários.

Em Washington, falando no National Press Club, o Almirante Jonathan Greenert, Chefe das Operações Navais, dissipou a impressão de que a US Navy estaria momentaneamente sofrendo um processo de downsizing, no que coincide com o descomissionamento do USS Enterprise, porta-aviões com 50 anos de atividade, e com a previsão de entrada em serviço do USS Gerald Ford postergada para não antes de 2015.

A verdade é que para apoiar a atuação global dos Estados Unidos é necessário o emprego de 11 porta-aviões, e hoje o comandante Greenert disponibiliza de 10. O Optempo (tempo operacional) também aumentou de 6 para no mínimo 7 meses no mar. E o desenvolvimento bélico da China é certamente o maior motivador para que a proporção de navios alocados entre as costas leste e oeste americanas estejam progressivamente indo da atual 45:55 para a planejada 40:60, onde estes 60% incluem os mais avançados e poderosos navios de sua frota. Assim, Greenert afirma que a força naval está em crescimento...onde é mais preciso.

Outra evidência da adaptação aos desafios orçamentários e otimização de recursos, é o aprimoramento de novas ações conjuntas entre a USAF e a US Navy. Esta ação repousa na “AirSea Battle”, um modelo de coordenação de suas caras máquinas de combate em uma atuação de high-tech war (guerra baseada na vantagem tecnológica) apta a assegurar a superioridade em regiões onde potências emergentes, como a China, demonstrem incremento do poderio militar. Para se entender melhor o que isso significa, deve-se relembrar que a USAF desativou sua última aeronave de ataque eletrônico em 1998 e passou a confiar a capacidade de evitar e confundir radares inimigos quase que unicamente na tecnologia “stealth” ou furtiva. Já a US Navy, tanto embora vá operar o 5ª geração, F-35, manterá o F/A-18E/F (mesmo caça da Boeing concorrente no F-X2) como espinha dorsal de sua frota de aviões de combate até no mínimo 2035, e sua versão especializada em guerra eletrônica, o EA-18G Growler é fator chave no emprego da Força Aeronaval, e um dos pilares destas operações combinadas com a Força Aérea.

Com o objetivo de compor uma frota de 114 aeronaves, a Marinha Americana recebe um novo EA-18G Growler a cada duas semanas, com a missão de prover ao poderio naval dos EUA as condições necessárias a atuar em áreas de exclusão de voo baseadas em novas capacidades de defesa, em particular Anti-Access/Area-Denial (A2/AD) como as recentemente desenvolvidas pelo gigante asiático cuja costa oriental é banhada pelo Pacífico, e onde concentra grande parte de seus principais interesses.

A principal estratégia do desenvolvimento A2/AD da China é obter vantagem das limitações de bases físicas para operações das forças americanas ou a partir de plataformas aliadas, e as principais ameaças aos Carrier Battle Groups da US Navy baseiam-se nos mísseis balísticos antinavio lançados de terra e mísseis supersônicos de cruzeiro lançados de aeronaves de caça e ataque.

Como mais recente conquista da Armada Chinesa, semana passada um J-15 Flying Shark (“clone” dos Su-33 russos) realizou com sucesso operações de decolagem e pouso no seu primeiro e único porta-aviões, o Liaoning, (incorporado ao serviço em 25 de setembro deste ano), o que aguçou ainda mais as pretensões da China e rendeu declarações de seus comandantes de construir com a indústria nacional, outros navios do tipo a fim de expansão das capacidades de mobilidade de sua máquina de guerra.

Muito há da guerra de informações, e com cuidado, e inteligência, deve-se filtrar a propaganda da real capacidade de realização e emprego. Há quem questione a qualidade e eficiência dos armamentos chineses, em particular as de radares, mísseis e os recentes caças “stealth” estampados na capa das principais mídias especializadas. Particularmente, depois de ver que meu iPad é "Designed by Apple in California, Assembled in China" não sou tão cético assim (pelo menos no que diz respeito ao acesso aos desenhos técnicos e condições de aprender algo com isso). Cedendo o benefício da dúvida e considerando que tais tecnologias sejam verdadeiramente inferiores, damos de cara com outro elemento desta medição de forças e percebemos que o preço da “assimetria”, por si só, é bem caro. Se considerarmos todo o custo de pesquisa e desenvolvimento envolvidos, é fácil chegar à relação de que se gasta 20 bilhões de dólares para rechaçar um sistema de ataque de 200 mil, oriundo de uma cópia ou similar tecnologicamente limitado.

Certo é, que a temperatura das águas daquele frio Oceano tem se elevado, e não necessariamente devido ao aquecimento global. Cada lado se apoia nas vantagens que possa desenvolver, e, toda moeda tem claramente dois lados. Para exemplificar esta dualidade, se considerarmos apenas o desempenho tático das aeronaves envolvidas em um hipotético cenário de combate, um kill ratio de 20:1, ou seja, vinte aeronaves inimigas abatidas para cada própria perdida – em razão da vantagem tecnológica de um dos lados, percebe-se o tirocínio e razoabilidade da preocupação do primeiro comandante da Navy Weapons School – Top Gun, Dan ‘Yank” Pedersen, de que “se está cometendo os mesmos erros que lá atrás forçaram a criação de Top Gun. Encantados com nossa tecnologia de ponta, não rivalizados no ar em várias guerras, todos apostam que nossa vantagem perdurará para sempre. Eu estou apostando na China! Eles podem por 6.000 novas aeronaves por dia na frente de combate. E aí? O que vamos fazer?”.

E o que o Brasil pode apreender destes, entre os mais recentes episódios de posicionamento de players globais no campo das relações exteriores? O equilíbrio de forças é buscado como forma de promover a paz e dissuadir ameaças. Portanto, vulnerabilidade, letargia e obsolescência não podem em momento algum serem justificadas pelo discurso do pacifismo ou por uma alegada política de boa vizinhança. Ela carrega sim, a incerteza, o medo e a insegurança, e fatalmente tece o estopim do conflito.

Em uma frase Napoleão Bonaparte resumiu a adaptação necessária às mudanças e movimentos do poder, que ditam a conquista da paz pela preparação para a guerra:

“Deve mudar de táticas a cada dez anos aquele que deseja manter a sua superioridade”.

Com os avanços tecnológicos, os intervalos de tempo mudam, tornam-se menores. O princípio, porém, este parece feito ao dia.

No momento em que o Brasil busca por reestruturações de suas Forças Armadas com a modernização de seus equipamentos e adequações às tecnologias já empregadas em várias nações, cabe a reflexão, até mesmo dos mais reticentes a estes investimentos, de que por mais pacífico que um povo seja, não está isolado da realidade global e que tal realidade afeta direta e indiretamente os rumos de qualquer país, seja nos aspectos econômicos, territoriais e do exercício de soberania sobre suas próprias riquezas.

 

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